Carf discute a legalidade da segregação de atividades empresariais
22/06/2019
Por meio da segregação de atividades, em termos gerais, uma determinada unidade empresarial é segmentada em mais de uma pessoa jurídica, de forma que as partes cindidas passam a explorar individualmente as atividades segregadas, como na divisão do controle dos negócios entre diferentes membros da família, em situações que impliquem ganhos em eficiência ou melhoria de organização, venda de parcela segregada da pessoa jurídica etc.
Sob a perspectiva tributária, é comum que a segregação possibilite que alguma das empresas segregadas se legitime a opção pelo lucro presumido, enquanto a anterior unidade empresarial apenas poderia ser tributada pelo lucro real.
Tratando-se de opção, a legitimidade para adoção da sistemática do lucro presumido depende exclusivamente do cumprimento dos requisitos prescritos pelo legislador, quais sejam, a limitação, em função do volume de receitas brutas obtidas pela pessoa jurídica no ano anterior (atualmente em R$ 78 milhões) e o exercício da atividade que não obrigue a pessoa jurídica a ser tributada com base lucro real.
Com a real e efetiva segregação de atividades empresariais, cada uma das novas unidades econômicas pode verificar se preenche ou não os referidos requisitos e, sendo o caso, optar ou não pelo lucro presumido.
Do contrário, ocorrendo simulação da aludida segregação, pode a fiscalização tributar de forma aglutinada, em uma das empresas do grupo empresarial, todas as receitas reconhecidas pelas alegadas empresas segregadas, com imposição de multa.
Assim, se faz necessário distinguir hipóteses de segregação de atividades reais, cujos efeitos jurídicos devem ser reconhecidos pela administração fiscal, de casos de simulação de reestruturações societárias, praticadas com dolo na evasão de tributos, inoponíveis ao Fisco e sujeitos, inclusive, à multa qualificada.
De forma concreta, o legislador complementar enunciou apenas norma de reação à fraude, à simulação, e ao dolo na evasão de tributos (CTN, artigo 149, VII), deixando ao legislador ordinário a tarefa de estabelecer o procedimento especial para que se descortinem os casos de dissimulação (CTN, artigo 116, parágrafo único) ou, ainda, para a edição de normas de reação a planejamentos tributários específicos.
Note-se, ainda, que o artigo 109 do CTN prescreve que “os princípios gerais de direito privado utilizam-se para a pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários”.
Embora inexista definição específica de simulação no âmbito do Direito Tributário, constata-se que há uma convergência considerável na adoção de seu conceito privado.
Nesse contexto, o Código Civil tutela a simulação em seu artigo 167[1], sendo o negócio jurídico simulado considerado nulo, não surtindo efeitos desde a sua realização, e não se perpetuando no tempo, nos termos do artigo 169 Estatuto Civil.
O CTN, no inciso VII do artigo 149, prevê que o lançamento será realizado de ofício quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação.
Desse modo, quando se sonega da administração fiscal a verdade dos fatos ocorridos, o ato simulado é considerado simulado, sendo considerado como um mero ato aparente, que não existe no mundo dos fatos, mas sim apenas de forma precária no mundo jurídico.
No Direito Tributário brasileiro, então, a simulação se presta à sonegação, ou seja, ao ilícito. Combate-se, assim, o ato doloso visando a evasão de tributos em que as partes realizam um determinado negócio jurídico, mas declaram ao Fisco que outro teria sido realizado.
Retornando ao cerne do tema ora analisado, o contribuinte que simular a segregação de fontes produtoras de receitas, submetendo indevidamente parte ou todos os seus rendimentos à tributação mais branda aplicável a uma outra pessoa jurídica (decorrente do lucro presumido, por exemplo), estará sujeito ao lançamento de ofício da diferença do tributo que seria devido conforme o regime que lhe seria verdadeiramente aplicável (lucro real, por exemplo). Caso não seja possível a apuração do lucro real, deve ser apurado, nos termos da legislação, o lucro arbitrado. Diante de simulação, com o dolo específico da evasão de tributos, deverá, ainda, ser imposta multa qualificada.
Expostas as balizas teóricas, passamos agora a analisar os precedentes do Carf sobre o tema.
No Acórdão 103-07.260 (25/02/1986, tratou-se de caso envolvendo oito empresas optantes pelo lucro presumido que, em tese, desempenhariam atividades complementares ao da recorrente, todas elas possuindo o mesmo quadro societário. Em realidade, segundo essa decisão, as empresas do lucro presumido revenderiam os produtos fabricados pela recorrente configurando mera transferência de receitas entre a empresa do lucro real e as empresas optantes pelo lucro presumido. Com base na ausência de estrutura operacional e de funcionários por partes das empresas tributadas pelo lucro presumido, entendeu-se que haveria evasão ilegal de tributos ao serem criadas oito sociedades de uma só vez, com os mesmos sócios e que, embora aparentassem servir à revenda dos produtos da recorrente, teriam o objetivo de evadir tributos ao optarem indevidamente pelo lucro presumido.
Entendimento semelhante observa-se no Acórdão 101-95.208 (19/10/2005, em que, diante da suposta prestação de serviços por empresa pertencente aos mesmos sócios da autuada e tributada com base no lucro presumido, e em razão da inexistência de estrutura operacional da prestadora de serviço, concluiu-se que o objetivo da operação foi reduzir a carga tributária da recorrente mediante a tributação de relevante parcela de seu resultado, pelo lucro presumido, na pretensa prestadora de serviços.
Por outro lado, por meio do Acórdão 103-23.357 (sessão de 23/01/2008), tratando de caso em que havia segregação de atividades entre duas empresas optantes pelo então Simples Federal, firmou-se o entendimento de que se tratava de racionalização de operações visando economia tributária, e que o Fisco não teria aprofundado as investigações a ponto de caracterizar a existência de simulação.
Entretanto, na sessão de 14/07/2016, a 1ª Turma da CSRF voltou a apreciar a mesma operação, relativa a outro ano-calendário, entendendo restar caracterizada simulação da segregação de fontes de rendimentos em diversas pessoas jurídicas, sendo legítima a desconsideração da reestruturação societária simulada para a tributação concentrada da única entidade realmente existente com base no disposto no inciso VII do artigo 149 do CTN.
Consta do voto condutor do aresto que “a inexistência da estrutura negocial para que cada empresa segregada explore a atividade que alega desenvolver, bem como evidências da confusão entre as empresas supostamente segmentadas, corroboram para que se conclua que o contribuinte procurou ocultar a exploração de uma única entidade patrimonial”. Apontou-se ainda evidências de simulação na estrutura financeira e contábil do contribuinte, e também em sua estrutura física e operacional, evidenciando-se a confusão patrimonial que deu ensejo ao lançamento (Acórdão 9101-002.397).
Em outro julgado, analisando-se operação em que, geralmente, a Receita Federal lavra autos de infração para exigência de PIS e de Cofins, mas, no caso concreto, também acusou-se a autuada de não pagamento de IRPJ e de CSLL por suposta distribuição disfarçada de lucros[2], no Acórdão 1402-002.337 (sessão de 05/10/2016), a 2ª Turma da 4ª Câmara da 1ª Seção concluiu ser lícita a reorganização societária efetivamente levada a efeito pelo contribuinte sem a ocorrência de simulação, fraude, abuso direito ou de formas, ou ainda fraude à lei. No que diz respeito à acusação de distribuição disfarçada de lucros, o colegiado entendeu que não haveria que se falar na ocorrência dessa infração quando as operações foram realizadas em valores absolutamente dentro da média praticada no mercado. Já em relação à exigência de PIS e de Cofins, afirmou-se que, uma vez afastada a infração de distribuição disfarçada de lucros, e inexistindo simulação, os lançamentos não se sustentavam ante à ausência de normas que estipulassem valores mínimos a serem praticados entre empresas do mesmo grupo para fins da incidência de PIS e de Cofins no regime monofásico.
Já no Acórdão 1302-002.062 (sessão de 21/03/2017), o colegiado concluiu que somente as ações ou omissões do contribuinte que sejam ilícitas poderiam ser enquadradas como fraudulentas, não se podendo enquadrar como simulação a cisão realizada para constituir uma outra sociedade, com o objetivo de que esta viesse a alienar o bem recebido em integralização, tratando-se tão somente de um negócio jurídico indireto, pelo qual a nova sociedade seria constituída para surtir os efeitos que lhes seriam próprios e não para dissimular outros negócios jurídicos.
Por outro lado, no Acórdão 9101-002.429 (sessão de 18/08/2016), o contribuinte – então tributado pelo lucro real – implementou operação de cisão parcial constituindo nova pessoa jurídica mediante a integralização de capital, a valor de livros, com imóveis e florestas antes integrantes de seu ativo imobilizado. A empresa recém constituída possuía em seu objeto social a atividade de compra e venda de imóveis, e optou pela tributação com base no lucro presumido, utilizando-se os coeficientes de 8% e 12%, respectivamente, para apuração das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL.
Consta do voto condutor do aresto que “a reorganização societária procedida consubstanciou-se em operação simulada que visou, exclusivamente, uma indevida redução tributária sobre alienações de imóveis e florestas”. Entre os fundamentos do voto condutor destaca-se que a nova empresa se localizava nos fundos do terreno da autuada, os números de telefones e endereços eletrônicos das duas eram os mesmos, e no período de três anos a nova empresa possuiu apenas dois funcionários, sendo que no primeiro ano, com faturamento superior a R$ 45 milhões, não teria tido nenhum empregado. Além disso, todos os imóveis transacionados teriam sido recebidos mediante integralização de capital, e, após a alienação, os valores foram restituídos aos sócios por meio de distribuição de lucros, com a consequente descapitalização total da empresa ao final dessas operações.
Conforme se observa, as decisões do Carf indicam que é possível a segregação de atividades empresariais e consequentemente acatam a redução de carga tributária em operações de desmembramento das atividades de uma empresa, desde que inexistam fatos simulados. Em geral, nos casos em que o Fisco comprova que as empresas tributadas em regimes privilegiados não possuíam empregados, tampouco estrutura física e administrativa, ou no caso de confusão patrimonial entre a empresa tributada com base no lucro real e aquelas tributadas no lucro presumido ou no Simples, o Carf vem referendando os lançamentos, ao passo em que, ausentes provas robustas de simulação, as autuações acabam por ser rechaçadas.
*Este texto não reflete a posição institucional do Carf, mas, sim, uma análise dos seus precedentes publicados no site do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido pelos seus colunistas.
[1] Artigo 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.
§ 1º Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:
I – aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem;
II – contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira;
III – os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados.
§ 2º Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado.
[2] Artigo 464, I, do RIR/99 (atual artigo 528, I, do RIR/2018 (Decreto 9.580/2018):
Artigo 464. Presume-se distribuição disfarçada de lucros no negócio pelo qual a pessoa jurídica:
I – aliena, por valor notoriamente inferior ao de mercado, bem do seu ativo a pessoa ligada; […].
Fonte: APEP